Confira insights, conexões e atualizações apresentadas na trilha do 11º Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica (FIFE), realizado em abril de 2024, na cidade de Belo Horizonte/MG.
Voluntariado em foco
A temática do voluntariado permeou o FIFE, com destaque para o pré-evento intitulado ‘Encontro Ibero-americano de Voluntariado Estratégico’, que trouxe tendências e desafios com líderes do Terceiro Setor e empresas. A comunicação efetiva e gestão no desenvolvimento do voluntariado corporativo ganhou espaço de debate com um formato interativo.
O filósofo e autor do livro ‘2050: Voluntariado e Sustentabilidade’, Rodrigo Starling, defendeu a necessidade de um voluntariado “transcendente”, que vá além da mera doação de tempo e esforço. Para ele, o voluntariado deve ser visto como uma forma de vida, uma maneira de contribuir para a construção de um mundo mais justo e sustentável.
A 4ª edição, revista e ampliada de sua obra, foi lançada durante o Encontro, que coincidiu com o Dia Mundial do Livro (23 de abril). Ele dedica o livro aos “líderes do presente, alicerces do futuro”, abordando protagonismo, cidades inteligentes, “virturealidade” e voluntariado transformador, incluindo uma interessante entrevista com o ChatGPT. A superintendente executiva da FUNDAMIG, Julia Caldas, destaca em sua crítica que esse é “um livro simplesmente obrigatório para quem está verdadeiramente disposto a ser parte da mudança.”
A Gincana Idealista, inovadora iniciativa para estimular a cocriação de boas ações, foi também apresentada no Encontro Ibero-americano de Voluntariado Estratégico e deu a largada na jornada de quatro dias, nos quais nove equipes de Belo Horizonte e região metropolitana foram desafiadas a transformar suas comunidades através de ações criativas e impactantes.
A Gincana, que foi promovida por uma coalizão de organizações do Terceiro Setor (Idealist, Associação Nossa Cidade, Rede Filantropia, VOL, Instituto Brasileiro de ESG (IBESG) e Empresability), reforçou a importância do engajamento comunitário e do voluntariado estratégico como ferramentas de transformação social.
Renato Orozco, coordenador da gincana e diretor de Comunidade dos Países de Língua Portuguesa da Idealist, descreveu o evento como uma fusão de diversão e ativismo: “A ideia da gincana é ‘fazer o bem e ao mesmo tempo se divertir’, seguindo a trilha imaginar, conectar e agir, ‘o que acreditamos ser um roteiro para mudar o mundo’.” Nove equipes com participantes de Belo Horizonte e região metropolitana enfrentaram desafios que levaram à travessia da intenção para a ação.
Ao final, os projetos submetidos seguiram para avaliação e concorreram a um prêmio de até R$ 3.000,00 do Fundo Regenerativo Grande BH.
Outro momento marcante foi a apresentação musical do Sistema Divina Providência, com um coral formado por crianças. A performance emocionante trouxe alegria e inspiração aos participantes, reforçando o poder da música como ferramenta de transformação social.
Tecnologia para causas sociais
O painel ‘Inteligência Artificial e Terceiro Setor: impactos e oportunidades’ abordou os desafios e novos olhares sobre a implementação de tecnologias no Terceiro Setor. Especialistas como Ruy Fortini, Rafaela Ramos, Cassio Aoqui e Ricardo Baboo destacaram a necessidade de planejamento, atualização e gestão eficiente para que a tecnologia seja utilizada de forma eficaz e ética.
Rafaela Ramos, da WEBTGI (empresa especializada em desenvolvimento de software para o Terceiro Setor), ressaltou o processo de entendimento sobre o problema para que se faça o diagnóstico para uso de ferramentas. Segundo ela, não é viável fazer investimentos sem planejamento. A IA pode trazer excelentes recursos, mas ela é alimentada por inteligência humana. O mundo digital não foge da lógica do mundo físico, então, não tem como atingir resultados sem processo de gestão.
Nanda Soares, diretora e fundadora da Conectidea (agência especializada em comunicação de causas), coidelizadora do Movimento ‘A Força das Mulheres no Terceiro Setor’, ressaltou a importância da mudança de cultura como base para a transformação digital nas organizações do Terceiro Setor. “É preciso que as OSCs (Organizações da Sociedade Civil) entendam que a tecnologia é aliada poderosa para otimizar processos e maximizar o impacto social”, afirmou.
“As ações precisam estar alinhadas à identidade organizacional, trazendo a equipe para o diálogo e atualizações. A inteligência artificial tem como base a inteligência humana, e desumanizar processos não é o objetivo de implementar recursos tecnológicos para facilitar a execução de tarefas, por exemplo. As OSC se deparam com ferramentas, termos e exigências que vão de encontro à realidade cotidiana, gerando lacunas para real implementação, seja por falta de recursos ou de conhecimento.
O que precisamos é justamente olhar para dentro sem perder de vista o futuro, que é o agora em transição. É uma jornada de sensibilização tanto de quem entrega e gerencia as plataformas, quanto de quem recebe e precisa de alinhamento com o que há de mais moderno para suas organizações. Estabelecer uma linguagem adequada e simplificada pode ajudar muito nessa transição, que traz evolução contínua e acelerada.”, completa Nanda Soares.
A captação de recursos está alinhada com o desenvolvimento comunitário?
A Aula Magna sobre captação de recursos internacionais, com Flávia Lang e Ana Flávia Godoi, apresentou um panorama da filantropia internacional e destacou as principais fontes de recursos para organizações do Terceiro Setor brasileiro.
Fred David, do Comitê pela Cidadania, destacou algumas informações dessa aula, como o dado que aponta: das 300 mil fundações contabilizadas nos Estados Unidos, 1.342 doaram para o Brasil, configurando o país como maior recebedor de doações nos EUA.
“As palestrantes também destacaram a importância da comunicação neste processo de captação. É preciso investigar, principalmente no LinkedIn, antes de contatar o futuro patrocinador. E deram dicas de como escrever um e-mail para apresentação da OSC e suas demandas de investimento, bem como sobre como escrever seu pitch deck.”
Uma dica interessante também diz respeito às formas de encontrar pontos de partida para buscar recursos. As palestrantes comentaram que quando se consulta a lista de bilionários da Forbes, geralmente pode-se encontrar a lista de suas fundações.
A primeira mulher nessa lista ocupa a posição de 15º lugar, com US$ 99,5 bilhões. É a empresária francesa Françoise Bettencourt Meyers, herdeira da L’Oréal. Livia Voigt, herdeira da WEG (produtora de equipamentos elétricos), é uma novidade entre os 69 brasileiros que compõem a lista anual de bilionários da Forbes em 2024, e se tornou a bilionária mais jovem do mundo. Ao consultar o site da empresa WEG, encontramos uma página específica que aborda sua Política de Investimentos Social e sublinha que “a comunidade local é uma importante parte interessada impactada pela presença de uma empresa.”
Fica cada vez mais clara a importância da Responsabilidade Social Corporativa e Programas de ESG (Environmental, Social and Governance), correspondente ao ASG, em português, Ambiental, Social e Governança.
Nesta perspectiva, segue uma reflexão essencial, instigada pelas respostas das empresas presentes à pergunta: como as organizações podem bater na porta da empresa e conseguir aprovar os projetos?
Renato Orozco percebeu que estão colocando o Terceiro Setor como um mero receptor de recursos, sem considerar sua expertise e capacidade de atuação. Ele defendeu um modelo de colaboração mais equitativo e transparente, baseado na confiança mútua e no respeito.
“As empresas colocaram isso na conta das entidades, dizendo que elas precisam se preparar melhor, estarem mais “quadradas” no que conseguem financiar, ter mais métricas, mais gestão e assim por diante. Eu fiquei pensando: que desconexão gigantesca com as Comunidades.
As organizações que nem têm CNPJ, ou coletivos que estão na comunidade, fazem coisa para caramba, e por essa postura das empresas não têm acesso aos recursos que sempre vão para os mesmos. Muitos gastam tempo e energia demasiada para atender todos os requisitos, burocracia, para se inscrever em edital, e na maioria das vezes para receber um não ou não receber resposta nenhuma.
Eu gostaria de estar aqui na plateia assistindo uma empresa dessas falar que nos últimos dois ou três anos passou por uma transformação interna para conseguir acolher realmente os projetos das entidades ou da comunidade, que fez uma revisão dos seus processos de governança, compliance para que as coisas fiquem mais simples, mais desburocratizadas.
Então, eu percebi uma alienação e distância muito grande do corporativo das empresas, e infelizmente não senti nem um pingo de consciência sobre isso. No Shift the Power, conferência em que estive em Bogotá, em dezembro de 2023, a toda hora eu escutava: nada de nós sem nós. Em todo momento, falavam que as relações deveriam ser baseadas em confiança, e aquilo que eu estou vendo aqui não é isso, é o contrário: sempre aquela postura da empresa fazendo algo e pensando no serviço de ajuda, beneficiação passiva das organizações para receber”, comenta Renato.
Há sete anos, aconteceu a Cúpula Global sobre Filantropia Comunitária em Joanesburgo, cidade na África do Sul, onde a hashtag #ShiftThePower emergiu como um grito de guerra pela mudança. Então, o Global Summit que aconteceu em Bogotá/2023, que leva o nome da hashtag, veio como “uma força mobilizadora que busca destacar, legitimar e unir essas novas formas de “decidir e fazer” que estão surgindo em todo o mundo sob o guarda-chuva mais amplo da generosidade do movimento, para uma mudança genuína e duradoura.”
Governança é a base para a sustentabilidade
Segundo Lívia Furtado, advogada especialista em Terceiro Setor,
“o MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) é norteador para os programas de compliance internos das organizações do terceiro setor. É necessário estruturar a base para que possamos buscar a sustentabilidade financeira perene de nossas organizações.”
Em sua palestra ‘MROSC e Compliance’, ela trouxe de forma leve esse tema que sempre gera indagações e ansiedade. Lívia levantou questões como o desafio do aprimoramento da dinâmica do cuidado com as pessoas, visando a sustentabilidade financeira em organizações que não visam o lucro.
Como parte da economia, o Terceiro Setor precisa também estabelecer critérios transparentes de controle e mensuração que contribuam para o diálogo com o primeiro e o segundo setores.
O próprio Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – Lei 13.019/2014, traz diretrizes fundamentais, e a priorização do controle de resultados, sem deixar de lado os processos internos, foi um dos pontos de destaque da palestra.
A promoção e o fortalecimento institucional, bem como o incentivo ao uso de recursos atualizados de tecnologias de informação e comunicação, estão na base para uma gestão eficiente e transparente. Em uma dinâmica com a plateia, ficou clara a necessidade de passos básicos como o conhecimento aprofundado do próprio estatuto.
Dentro de um desenho bem estruturado de um Programa de Compliance, Lívia Furtado compartilhou os seguintes pontos:
- 1. Prevenção de riscos e sanções
- 2. Proteção da imagem e reputação
- 3. Promoção da ética e da transparência
- 4. Aumento da confiança dos parceiros
- 5. Estruturação da Governança
- 6. Programa de Voluntariado
Perspectivas e insights
Uma das iniciativas mais interessantes, e que também nos muniu de informações diferenciadas, foi o grupo ‘FUNDAMIG no FIFE 2024’, formado por suas associadas, conselheiros e consultoras presentes, que compartilharam fotos, áudios e textos que fomentaram um diálogo e troca de experiências importantes.
O FIFE 2024 teve nas conexões humanas uma das maiores forças que geram oportunidades para assistir e conhecer o Terceiro Setor atuante no Brasil. O Fórum apresenta muitos assuntos e é interessante ter uma equipe que possa se dividir para acompanhar os painéis e absorver o melhor do evento.
Os encontros e reencontros pelos corredores do Minascentro, e a oportunidade de estar em casa para recepcionar figuras importantes de tantas áreas de atuação, nos orgulha e incentiva a trazer mais eventos para a capital mineira e cidades pólo do empreendedorismo social e de inovação do nosso estado.
Julia Caldas (FUNDAMIG), que tem liderado uma rede de networking para fortalecimento e desenvolvimento das OSC em Minas Gerais, por meio de várias iniciativas como o ‘Movimento A Força das Mulheres no Terceiro Setor’ e o ‘Conexão DoaMG’, comenta:
“é importante compararmos a atuação do terceiro setor fora do Brasil e nos outros estados, para além das nossas montanhas. As discussões geradas nos intervalos foram muito ricas e vão reverberar em nossas pautas, grupos de trabalho e projetos. Então, é sempre um momento de muito enriquecimento a participação nesses eventos. A cada debate que a gente fomenta, vamos subindo a régua de atuação dentro do setor social.”
Por fim, podemos afirmar que empreendemos no Terceiro Setor, usando nosso tempo e conhecimento para alcançar resultados compartilhados. E isso precisa ser reforçado, para que as Organizações da Sociedade Civil possam se empoderar e serem vistas com todo o potencial de transformação que já realizam, seja no voluntariado, na economia, na educação, saúde, preservação do meio ambiente e também na tecnologia pelo bem.
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Por @Conectidea | Redação conectidea.com.br