O documentário, curta-metragem, dirigido por Ali Coates em Myrtle Beach (Carolina do Sul/EUA) é um experimento social revelador e assustador. O que uma máscara de espelho pode provocar nas pessoas? Parece que ali vemos o reflexo de uma sociedade que se enfurece com o desconhecido, com o diferente; ainda mais quando esse diferente parece confiante.
Jovens, mulheres e homens, curiosos, armados com seus celulares. Câmera em punho, palavras no gatilho e a ousadia da violência gratuita. A performance de Signe Pierce, que usava roupas de stripper e uma máscara reflexiva tampando seu rosto, não apenas chamou a atenção do público que passava por uma movimentada rua, como também trouxe à tona o que há de pior em nossa sociedade. Minutos inquietantes que mostram as pessoas curiosas acompanhando seu caminhar, querendo ver o que acontece depois. Uma câmera em movimento, a reação das pessoas sendo registradas e o clima vai ficando cada vez mais pesado. Um vestido azul muito curto, salto alto, gente tentando descobrir se ela é homem, mulher ou trans. Sua identidade de gênero é uma incógnita. As pessoas riem, a seguem, jogam coisas, a derrubam violentamente. Mulheres notavelmente como autoras das violências. Não a queriam ali, a machucaram.
É deprimente, chocante e assustador ver como o confiante e o diferente assustam. Nossa sociedade engolida pelo preconceito, pela intolerância vivida e praticada entre jovens, justo aqueles que deveriam ter um olhar mais aberto sobre o mundo. Após jogarem água e objetos, a empurram. Uma mulher a empurra com as mãos e os outros com a conivência. Ela cai e fica. Ninguém faz nada. Ela se levanta, sangue no joelho.
As pessoas se sentem afrontadas por aquilo que lhes parece contrário e canalizam toda a sua raiva para cometer atos de violência. Por estarem em grupo, sentem-se ainda mais corajosas. Ninguém se importa se está sendo filmado. Primeiro se divertem, depois atacam. Há algo de desumano tomando conta.
Marina Abramovic realizou trabalhos pioneiros ao expor seu próprio corpo à face da verdadeira natureza humana. Suas performances buscavam trazer à tona sentimentos e comportamentos escondidos, que aparecem quando somos provocados. Em 1974, com o projeto Rhythm, ela ficou à mercê do público que poderia usar os 72 objetos disponíveis na mesa da forma como quisessem em seu corpo. Ali estavam uma arma, uma bala e um chicote. Tudo começou com curiosidade e acabou em violência, assim como no vídeo de Ali Coates.
"O que eu aprendi é que se você deixar nas mãos do público, eles podem te matar. Eu me senti realmente violada. Cortaram minhas roupas, enfiaram espinhos de rosa na minha barriga, uma pessoa apontou uma arma para minha cabeça e outra a retirou. Isso criou uma atmosfera agressiva. Depois de exatamente 6 horas, como eu tinha planejado, me levantei e comecei a caminhar em direção ao público. Todos fugiram para escapar de uma confrontação presente." Abramovic, após a performance "Rhythm 0" (1974)
As pessoas testam os limites de sua própria índole, mas são incapazes de olhar cara a cara para as suas atitudes. Ali, com Abramovic, ninguém queria ser confrontado.
O mais inquietante na vídeo-performance de Signe Pierce é seu rosto coberto. As pessoas olham e enxergam seu próprio reflexo. A violência é refletida. Em alguns momentos ela se volta e parece enfrentar o público, que corre, como se tivesse cutucando um bicho que acordou.
Onde está a liberdade de ir e vir? Somos livres para sermos o que quisermos? O que isso nos diz sobre estereótipos, sobre estigma? Para refletir!